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A HISTÓRIA DO MEU ‘EU’ MENINO QUE UM DIA QUIS PARAR O TEMPO

Foto do escritor: AdminAdmin

A HISTÓRIA DO MEU ‘EU’ MENINO QUE UM DIA QUIS PARAR O TEMPO

Ricardo França de Gusmão

16.4.22

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Conta a lenda familiar aqui de casa, que houve um dia, em minha meninice, que eu quis parar o tempo. Dizem meus pais e tios – na verdade eu já sabia, só não me confiava em total acreditamento que tal fato, por mim imaginado à unha, era verdade verdadeira pericial e papiloscópica no tempo passado.

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Tinha eu cerca de 7 ou 8 anos de idade. E, não sei por quê das tantas a crueldade de comemorar o fim do ano ‘velho’, isso após o termos usado até seu último segundo de vida-tempo. E o estampido de fogos de artifício a comemorar o seu fim ao mesmo tempo que saudavam o novo ‘Rei’ posto, era uma covardia do tamanho do leste-oeste e do norte-sul.

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Pois naquele dia 31 de dezembro em seus últimos grãos de areia na ampulheta tempo em decadência de calendário... Quando os dois ponteiros do relógio analógico da minha segunda infância entraram em conexão no número 12...

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Gritos de saúde, primavera, dinheiro no bolso, novos amores brindavam-se em taças de saúde, primavera, dinheiro no bolso, novos amores... As mesmas taças traiçoeiras que tilintaram-se durante a última década o início e o fim de ciclos planetário em meio a um cemitério de 365 dias de covas anuais.

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Conta essa mesma lenda do sucessivo infanticídio que me fez adulto que eu comecei a bradar, com lágrimas em chamas, uns dos meus primeiros protestos – antes da poesia e do jornalismo. “Não quero ano novo! Eu quero o ano velho!”... “Não quero ano novo! Eu quero o ano velho!”... “Não quero ano novo! Eu quero o ano velho!”....

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Bom. Hoje penso que eu amava demais o ano velho em sua agonia, como se o tempo de enchimento que ele carregava fosse o ar oxigênio que em mim faltava desde cedo, pela bronquite, mais tarde pela apneia obstrutiva do sono e recentemente pela trombose pulmonar.

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Ao mesmo tempo que nutria uma inexplicável ojeriza

Ao tal ano novinho que chegava festivo como se eleito fosse em primeiro turno pelo povo esperançoso de saúde, educação, emprego, paz... Não. Simplesmente “Rei morto, Rei posto”, como diz o dito popular, ninguém, nem o tempo, em seu pesar de passar e fluir, é insubstituível.

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Só que eu, menino que chorava e lamentava tentando obstruir o fluxo da ampulheta era o único da espécie que velava o morto. E escandalosamente gritava: “Não quero ano novo! Eu quero o ano velho!”... “Não quero ano novo! Eu quero o ano velho!”... “Não quero ano novo! Eu quero o ano velho!”....

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A vida e esse mesmo tempo sucessório me ensinaram que, se eu houvesse conseguido interromper o escorrer da areia no funil da ampulheta e conseguisse ter parado tudo... Meu filho não teria nascido... Eu não teria sido poeta tão pouco jornalista pelejador de prêmios.


Há pessoas que, a cada ano, comemoram mais um aniversário de vida. Porém, não entendem que fora menos um. O problema, então, está nas pessoas. O tempo também não evita tragédias e não vem chagando a prometer coisa alguma. Comer uvas verdes e pular ondinhas na praia são crendices, humanos feitiço. O tempo, definitivamente e, é inocente.

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Desde o primeiro dia até o derradeiro dia do dia tempo para sempre. Mas hoje, menino crescido penso: nunca quebre uma ampulheta, senão o tempo dela voa, voa, voa e vai embora. O tempo nunca pode esvair-se antes da hora. Porque tempo perdido, não volta.

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Não existe o tempo contrário ao porvir.

 
 
 

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