Ricardo França de Gusmão
2.4.2022

Em tempos longínquos, o óleo
Extraído dos algodões da poesia
Eram usados para a reinterpretação
Do mundo e das coisas em suas gavetas.
A poesia era a cama do amor, o berço
Da filosofia e a ardência da dor
Ou equivalência.
.
Isso foi antigamente, antes do mapa de tudo.
Mas depois dos dinossauros e pouco antes dos OVNIs,
Quando os edifícios tinham o circunflexo piramidais.
E desse tempo, da poesia, restou a rima,
Numa clínica de doação de órgãos literários
Clandestina também muito antes do ‘made in China’
.
Milhões de anos depois, a poesia foi substituída
Pelos ‘axés music’, e, logo depois, pelos pagodes
Paulistas de mesma partitura sonora e ritmica
Que panifica os ouvidos que escutam em demasia
O colágeno do que um dia foi, em essência, a poesia
.
Até que pesquisadores de uma universidade federal
Isolaram o DNA da poesia primordial
E identificaram a mutação do som sem essência
Quando um poeta barbudo em situação de rua exclamou:
.
“Viva a ciência! Viva a Evolução das Espécies!
Viva Charles Darwin, porque ele merece!”
.
Após demonstrar tal emoção exacerbada ,
O poeta sofreu assédio sexual de uma estudante
De literatura romana que o forçou ao sexo oral
Selvagem e bipolar severo, sob um luar sem nexo
Repetindo a rima do ‘côncavo e do convexo’
Em ato de disrupção mental bilateral
Complexo
.
Era o 16º dia que a Rússia bombardeava
A Ucrânia onde a poesia sofria com bombas
Pagodeadas, contrabandeadas da capital paulista
O poeta de rua, na rua, acabou condenado
Por injúria e passou a usar tornozeleira
Eletrônica, o que aumentou o climão de fetiche
E de luxúria
.
Um museu foi inaugurado para os poemas
Protozoários da Era Mesozoica:
O Triássico, o Jurássico e o Cretáceo
Quando surgiram os mamíferos
E os angiospermas na superfície da Pangeia.
.
Dizem que nesse período, surgiu o pólen
Da ‘EcoPoesia’, uma árvore gigantesca que gerava
Frutos metrificados e nutridos de essência,
Que mais tarde, acorrentada em sonetos,
Transformou-se em escrava da burguesia.
.
Enquanto isso, o poeta de rua, com bermuda de graxa
E suja continuava tomando porrada do noivo
Da estudante literária bipolarizada, e fazia fortuna
Com o recente canal criado numa mídia social
Oportunidade vislumbrada por uma startap
De marketing digital
.
Mas a rima, a mesma rima da fonética pasteurizada,
Continuava a reverberar-se nas letras melodiosas
Via caixas de som nos botequins na frequência
Da sofrência dizendo assim:
“(...) ai de mim, ai de mim, ai de mim”...
Não tinha princípio, meio e fim.
Era uma constante nasal obstrutiva.
.
A poesia, ainda clandestina, na estrada
Sem paradeiro faz vez em quando morada
Na imaginação de cancioneiros e em poetas
Sonhadores senadores da certeza
Que a prosa poética é uma segunda via
Cabana ainda da filosofia e do samba de raiz
Com a capacidade de ser ouvida, assustadoramente,
Em magnitude de silêncio.
.
O caso do poeta barbudão virou jurisprudência.
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