FOGOS DE ARTIFÍCIO
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- 28 de dez. de 2022
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FOGOS DE ARTIFÍCIO
Por Ricardo França (Rio, 1 de janeiro de 2004)
I.
O ano de 2004 chegou anunciado em infográfico,
Diagramado em duas páginas da edição
Da editoria Rio,
a mesma que diagramou
O ano de 2003 e anunciou previsões otimistas,
Simpatias de famosos e dietas de políticos
E de artistas.
O tempo no século 21 é uma visão congelada,
Um filme já visto, revisto, decorado,
com os mesmos sintomas do sensacional
planejado.
Basta ler o jornal de 1975:
A novidade jaz morta nas páginas deste jazigo
Editorial.
Nas proximidades da meia-noite,
- encruzilhada do tempo ramificado -
Um polvo branco de 2 milhões de corações
Forma-se nas areias de Copacabana
Com seus tentáculos de vontades e de esperanças
Querendo seduzir o futuro com promessas
De mudanças pessoais e coletivas,
Um polvo da espécie breve da sociedade alternativa.
O polvo canta, bebe, mija, beija carne enfurecida
Dança frenético em frenesi
Uma dança nova e ancestral
Aqui chamada de samba e carnaval.
O polvo em breve escolherá
Nas vísceras do Ano Novo eleitoral
O destino desatino via voto democrático.
Em breve o porvir não será mais enigmático.
O polvo povoa, pavimenta,
Forma, disforme, ondas gigantes.
Estende-se em tentáculos, espraia-se em nação,
Segue pelas ruas da Zona Sul, escorre pelos
Subúrbios, subterrâneos,
Embebeda os soldados enquartelados.
Nas praias ouve-se uma batucada de Maracanã:
“baticum, baticum, baticum”
é pagode,
é macumba,
é reza forte,
são evangelhos
e católicos,
são kardecistas
e ateus,
todos filhos de seus diversos deuses
filhos das putas
das santas e das impuras,
filhos de negros, portugueses e franceses,
filhos do mundo,
turistas mexicanos e noruegueses,
todos estão seqüestrados por uma estranha
freqüência,
um fio terra e sonho conectado ao lastro
infinito: esperança.
II.
O relógio é inclemente e marca a hora da execução.
Não há perdão para o que morre, para o perdedor
A vida passa em retrospectiva.
Os momentos ruins ganham mais espaço
E o ano velho desmancha na lama da impopularidade.
Calculadoras somam vitórias, subtraem derrotas.
Agendas planejam vidas,
Vidas juram mudanças,
mudanças gemem expectativas.
Adeus ano velho, velho não serve,
Está morto, sepultado, mal humorado,
Ano improdutivo, aposentado, pensionista,
Sem estatuto, culpado do que não aconteceu,
Do que não deu certo, do que prescreveu.
Queremos o novo de novo,
O ano novo astuto vitaminado
Que tudo pode e promete
Um ano no qual possamos depositar
Envelopes de esperança
Para a cura do câncer, para o amor fugidio,
Para o dinheiro sem paradeiro,
Para a felicidade perdida.
Salve o reveillon!
Que venham todos os santos, todas as entidades!
A rolha explode na champagne e liberta
O gênio dos mil e um desejos!
Hora de comer uvas verdes,
De tomar banho de sal grosso,
De benzer-se com galhos de arruda,
De jogar moedas nos rios, no mar.
É a morte definitiva de 2003,
Mas não há choro, não há vela.
Há, sim, o alívio.
Vai com Deus 2003! Já vai tarde.
A vida continua nos minutos que nos consomem,
Mas temos de ter cuidado com raios
Nas noites de tempestade.
Uma criança acaba de nascer:
É o primeiro bebê da fornalha.
Seu choro acorda o mundo,
Mobiliza câmeras de TV,
Todos querem saber o seu nome,
O seu sexo,
O paradeiro do pai foragido.
Benditas sejam as 20 mil bombas bombásticas
Gravatas borboletas em elo
Gravatas borboletas prateadas
Estrelas multicoloridas
Bombas de cascata!
Benditos sejam os efeitos especiais
A Celebração de Paz
O Momento do Pan
O Vulcão
O Brasil
E o efeito surpresa não divulgado!
Artefatos de fatos importantes
Explodiram no céu de ontem.
Amanhã nos espera o novo,
O advento ainda não criado,
O momento virgem.
Mas nos esperam também
Os solavancos das estradas,
O imprevisto mal criado,
A morte sobre a calçada.
Em Brasília os homicídios praticados por menores
Aumentaram 79%.
Roubos subiram 43%.
Os familiares das vítimas do Bateau Mouche
Foram esquecidos pela Justiça.
Um atentado a bomba matou 9 pessoas e deixou
39 feridos na Indonésia.
Um homem matou o outro por causa de R$ 5,00.
Um bebê foi abandonado numa lixeira
Na Zona Oeste do Rio.
Sob a marquise, uma mulher morreu de solidão.
Mas São Paulo comemora 450 anos
E o movimento de turistas estrangeiros cresceu 50%.
O dólar ficou abaixo dos R$ 2,90.
É a Divina Comédia do recomeço.
Por isso festejamos tanto tanta incerteza.
Por isso depositamos flores brancas
no altar de cada ano menino.
Por isso jogamos oferendas para o destino
Mesmo em meio a tantos desatinos.
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