IMBUÍDO PELO ARQUÉTIPO DA MATERNIDADE
- Admin
- 8 de mai. de 2022
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Por Ricardo França
1-5-2017

— Oi, jornalista.
— Oi, pequeno Einstein. Acordou cedo.
— Na verdade não dormi.
— Por que não? O que houve?
— Estou tendo uma inquietação.
— Você está tomando os remédios?
— Estou, mas é uma inquietação biológica e abrupta.
— Vamos conversar fora da ‘Casa’.
— A minha inquietação biológica e abrupta pode ir comigo?
— Sim. Podem vir vocês três.
— Domingo é Dia das Mães.
— Sim. É um dia especial, mas, para mim, todos os dias são dias das mães e dos pais...
— Você tem mãe, jornalista? Jornalistas têm mães?
— Todos temos mães, pequeno Einstein. Afinal, de onde viríamos se não fossem nossas mães?
— Eu acho que não vim de uma mãe.
— E por onde você veio?
— De onde você tirou isso, amigo?
— Dos arquétipos. Sou feito com o sêmen dos arquétipos que inseminaram os ventres das deusas mães. Então eu nasci do inconsciente coletivo. Careço de mãe biológica.
— A sua mãe não o visita aqui, semanalmente?
— Ela é uma mulher remunerada pela administração da ‘Casa’, para ser a Deusa-Mãe dos arquétipos. Mas nós somos muitos e ela ganha pouco. É assalariada. Talvez não venha neste domingo. Você me empresta a sua mãe, jornalista?
— Olha, pequeno Einstein... Cada um tem a sua mãe. Mãe não se empresta. Você tem a sua e você não é um arquétipo, nem um filho do inconsciente coletivo.
— Como você pode ser tão tolo, jornalista?
— Sou racional e você está sob delírio.
— Vou te falar um segredo que eu escondi esse tempo todo. Peço a sua discrição.
— Pode falar. Guardarei o seu segredo.
— Sou o filho bastardo da Mãe Durga, minha Kali Ma. Ela tem três olhos e 12 braços, para abraçar meus irmãos legítimos.
— Pequeno Einstein, a Mãe Durga e o seu grande Leão, é mitológica, uma criatura do hinduísmo... Lá na Índia. De onde você tirou essa ideia?
— Porque eu sou um arquétipo do inconsciente coletivo com uma inquietação biológica e abrupta. Você não memoriza o que falo, não?
— Tudo bem, pequeno Einstein. Então sua mãe Durga virá visitá-lo neste domingo?
— Não.
— E por que não?
— Porque ela tem mais filhos do que seus braços. Não pode abraçar a todos. Portanto, me empresta a sua mãe, neste domingo?
— Pequeno Einstein, já disse que mãe não se empresta.
— Então pode ser o seu pai. Seu pai pode ser a minha mãe neste domingo?
— Pai não pode ser mãe, pequeno Einstein!
— Mas pode fingir.
— Não. Não emprestarei minha mãe nem meu pai. E você tem mãe sim, porque eu já a vi.
— A mulher que você vê me visitar não é a minha mãe. Ela é terceirizada.
— Não pode ser terceirizada pois ela o pariu.
— Eu nasci de uma barriga de aluguel inseminada por esperma guardado em um banco de sêmen congelado.
— Mas que viagem é essa, pequeno Einstein?
— Igual a mim há vários por aí... Somos todos arquétipos, filhos da Mãe Durga. Me empresta a sua mãe...
— Olha, o tempo de visita aqui na ‘Casa’ é curto. A sua mãe virá e você poderá abraçá-la, e agradecer pela sua vida, que ela concebeu e gerou. Cada um com a sua mãe.
— Jornalista, pai também pode ser mãe?
— Em caso de separação, se o pai ganhar a guarda do filho na Justiça, ele terá que fazer o papel de pai e de mãe... Isso é normal e acontece o contrário também. Há mulheres que cuidam de seus filhos, são mães e pais, posto a lacuna do pai ausente.
— Jornalista... Se domingo eu deixar de ser arquétipo por algumas horas você pode ser a minha mãe?
— O que é isso, companheiro?
— Sempre sonhei em ter uma mãe como você...
— Bom, tudo bem... Se for para colaborar para a sua completude e acalmar essa agitação. Mas você poderá me dar no máximo três abraços. Ok?
— Tá, mãe! Minha mãezinha linda! Minha mãezinha linda! Minha mãezinha linda!
— Você quer parar de ficar fazendo alarde?!
— Mãe, você está me tolhendo. Você é muito possessiva! Se continuar assim, não vai ganhar presente no domingo!
— Mas domingo é Dia das Mães! Como assim não irei ganhar presente, meu pequeno Einstein???
— Tá vendo? Você é uma mãe interesseira, jornalista! Quer saber? Não quero ser mais ser o seu filho!
— Ok. Então volta a ser arquétipo da sua mãe terceirizada e da madrasta hinduísta.
— Mãe, eu estava brincando de fazer malcriação... Me coloca no colo e conta uma história para eu dormir?
— Olha, filho, meu querido atormentado Einstein, sua mãe agora vai arrumar a casa, tá?
— Mas mãeeeee...
— Para de fazer chilique! Respeita a sua mãe!
— Tá mãe... Te amo! Por falar nisso, mãe, você viu o jornalista por aí? Estávamos conversando há pouco...
— Não, meu filhinho. Segunda-feira ele aparece novamente. Eu também te amo, meu filho...
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