O CAFÉ E O PANÓPTICO

O CAFÉ E O PANÓPTICO

Ricardo França de Gusmão

Clínica de Recuperação Hans Staden, 23, Botafogo-RJ

Botafogo, 15.6.2015

Não seria só um café.

Seria uma pizza, um suco.

Seria uma semana inteira de assuntos

Sob o olhar de um panóptico, criatura

do filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham.

A possibilidade de observação

de todos sobre todos

durante o café e a degustação da pizza

fazia parte do acordo firmado

entre o observador e o observado.

Sem observador o café fica órfão

do panóptico, fora da vigilância óptica,

e não há controle sobre aquilo

que não se vê.

Mas panópticos também tomam café,

comem pizza, assistem TV,

e cozinham frangos.

Eles são bem vindos quando as regras

estabelecidas foram acordadas

para o nosso bem.

Sem o acompanhamento do panóptico

alguém pode disparar em fuga desabestada

em garrafa de pinga disfarçada de água,

ou (decepção) ficar impávido, grávido

de um tédio paradoxal devido à perda

de audiência de um ato cotidiano.

O panóptico abortou o café

e a pizza que estava agendada.

Não era esse o plano.

O meu pai tem quase 80 anos.

E minha mãe, em seus 70,

havia acordado outra sentença.

A do panóptico, e de sua presença.