O DIFÍCIL DILEMA DA CADEIRA QUE MESA QUERIA SER
- Admin
- 4 de jun. de 2022
- 7 min de leitura
Atualizado: 12 de out. de 2022
Ricardo França de Gusmão
24.5.2020

— Pai, eu não quero mais ser uma cadeira. Quero ser mesa.
— Como assim, meu filho? Você é uma cadeira maravilhosa!
Forte como peroba! Feito de madeira de lei! Resistente a fungos,
umidade e ao peso indeterminado daqueles que lhe sentam
o 'bustanfã'. Que história é essa, rapaz?
— Pai, eu não sei. Mas não nasci para ser cadeira. Acho que,
desde pequeno, era uma mesa. Único, com as cadeiras assim,
em minha volta. Eu era o epicentro em meus sonhos de mesa...
— Filhão, filhão... Você é fruto de uma linhagem de grandes
carpinteiros da roça aqui de Campina Grande! Foi feito com esmero...
Entalhes finos e pacientes forjaram a sua personalidade!
— Mas pai, eu sou uma mesa!
— Você não é uma mesa! Você é uma cadeira artesanal, especial.
Acho até que decorativo em demasia. Mas é uma cadeira cabra-macho!
— Pai, eu também posso ser uma mesa macho. Não é uma questão de gênero.
Mas psico-fisiológica.
— Psico-fisiológica? Veja os cortes das suas quatro pernas! A elegância
envernizada que o destaca das outras cadeiras...Tem uma certa
característica indígena, ou africana, mas dotada de uma natureza selvagem,
adornada... Milenar!
— Não quero ser milenar. Quero ser uma mesa simples. Feita
para que os humanos possam pousar suas xícaras no café da manhã,
e seus pratos de comida no almoço, no jantar...
— Filho... As cadeiras têm uma natureza nobre. Sem a gente, onde
sentariam os reis, os imperadores, os desembargadores, os kzares,
os presidentes, os pastores, os delegados de polícia, os juízes, os Papas?
— É esse um dos principais motivos, pai. Eu não quero servir
de 'almofada' para a bunda dessa gente.
— Meu filho! Que modos são esses para uma cadeira de nobre estirpe?
Você está usando drogas?
— Pai, a única droga que eu uso são os 'gases' silenciosos, outros nem tanto,
'libertados', em alívio, por ditos cavaleiros e de damas da sociedade...
— Já sei. São seus amigos, não é? Amigos maus elementos! Comunistas??? Você está lidando com esses tipos de cadeiras com entalhes esquerdistas? Nossa família de longa data foi inspirada em imagens sacras, esculturas, igrejas, castelos de personagens infantis. Fazemos parte do formão dos primórdios do folclore brasileiro.
Temos a carne do cedro, do Ipê, da jaqueira, dos pinus, do Pau Brasil!
— Pai... Eu poderia ser feito até com a madeira do Pau dos EUA, Pau da Inglaterra,
Pau da Suíça... Mas a minha personalidade é forte como o mogno!
— Vou levá-lo a um psicólogo. Se não der certo, vamos a um psicanalista! Caso essa mania de ser mesa persista, vou levá-lo a um psiquiatra!
— Pai. Não preciso de ferramentas. Só preciso que tirem-me esse encosto e esses dois braços. Posso ser uma pequena mesa, a princípio. Mas serei realmente o que eu sou. Uma pequena mesa muito macho! Feita com formão reto, para abrir sulcos, formão liso, ou formão chanfrado, para trabalhar os meus cantos! Pai, o senhor pode pedir ao marceneiro para usar-me goiva, ferramenta semelhante aos formões, mas que tem lâmina curva, para trabalhos arredondados?
— Ai, meu filho. Que decepção. O que dirão as cadeiras dos vizinhos? Que talhadas foram por limas e grosas, sustentadas por tornos a fim de remover suas rebarbas e fiapos de madeira excedentes?
— Pai, ouça-me. Fui devidamente lixado. Tenho acabamento final, sou lisinho,
posso receber — se as famílias assim desejarem — tintas e vernizes, dos mais variados tons. Sou resiliente. Sei que posso deixar de ser uma cadeira de rara linhagem para ser uma simples mesa de canto... Não tenho vaidades, pai... Só estou inadaptado em meu corpo. Não nasci para ser cadeira, mas uma mesa! Endente o seu filho?
— Tudo bem filho. Sem preconceitos ou orgulhos bestas. Irei falar com o dono da casa, que já passa dos 80 anos de idade e, por isso, conversa muito comigo em seus delírios. Mas digo que o procedimento do seu novo design poderá doer. Podem usar macetes
ou martelos e formão para o entalhar novamente.
— Pai, obrigado!!! Eu te amo!
— Eu também te amo, filho.
— Não deixa outras cadeiras da minha idade fazerem 'bullying' comigo não, tá, pai?
— Com certeza, filho. Vou conversar com a sua mãe... Irei falar para ela que a nossa família ganhou uma mesa, mas uma mesa muito cabra-macho! E que uma coisa não tem nada a ver com outra. Nós, mesas e cadeiras, não temos sexo. Mas temos o livre arbítrio de sermos o que verdadeiramente somos. De exercer as nossas individualidades, as nossas escolhas. E também de sermos o que desejamos ser, segundo o nosso livre arbítrio. Mesmo que de encontro ao que nos fora planejado. Nem sempre ser verdadeiro, em nossa intimidade imposta, significa, necessariamente, obedecer ao politicamente certo!
— Pai, o seu marceneiro esculpiu o seu tronco inicial associado à personalidade do seu formato de querer-se?
— Filho, eu sempre desejei ser uma porta de jacarandá. Para exercer o toque com maçanetas de bronze, em quem sai e em quem entra. E veja você, meu filho amado! Perdi um filho cadeira e ganhei um filho mesa! O que seria uma coisa sem a outra, afinal? Temos que nos adaptar aos novos tempos. Isso é democracia intrínseca!
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Nota do autor: Não é exatamente uma cônica-poema sobre gênero. Mas sobre o direito à individualidade. De querer e sermos realmente o que nos comanda a alma, e não a arquitetura que forjou nossos corpos comportamentais e psicossociais (#@RF)
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>>> Jornalista, professor e poeta, Ricardo França de Gusmão, 54 anos, é detentor de vários prêmios literários. Conquistou três prêmios de reportagens sobre Direitos Humanos, dois internacionais, e um de dimensão nacional, na condição de repórter especial e professor orientador universitário. Trabalhou na imprensa escrita, TVs, assessorias de imprensa, internet e Academia. Publicou 27 livros de poesia, contos e crônicas.
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BIBLIOGRAFIA POETA RICARDO FRANÇA DE GUSMÃO
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>>> JANELAS DA ALMA – Nunca existirá a mais absoluta distância, enquanto pudermos abrir as janelas pinceladas nas paisagens das obras de arte / 24 de julho.2021 / 1ª Edição / Selo editorial: Independently published
>>> A ESTÉTICA CARCERÁRIA DA NOVA SAÚDE MENTAL – O relato de uma experiência real em 8 clínicas de tratamento em contorno de poesia / ASIN: B0B6T5J4WP / 17 de julho de 2022 / 1ª Edição / Selo editorial: Independently published
>>> “1, 2, 3, 4... 4, 3, 2, 1” – Histórias escritas com palavras de baixo calão / 7 de setembro de 2022 – “200 anos da Independência do Brasil” / 1ª Edição / ASIN : B0BDDLYWVB / Selo editorial: Independently published
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