O NATAL DAS CEIAS FOTOGRAFADAS PARA OSTENTAÇÃO NO INSTAGRAM DO PAÍS DA FOME
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- 25 de dez. de 2022
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(***Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, neste Natal (2022), 33,1 milhões de brasileiros passam fome. 14 milhões a mais que em 2021.)

O NATAL DAS CEIAS FOTOGRAFADAS PARA OSTENTAÇÃO NO INSTAGRAM DO PAÍS DA FOME
(***Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, neste Natal (2022), 33,1 milhões de brasileiros passam fome. 14 milhões a mais que em 2021.)
Poema Ricardo França de Gusmão
25.12.2022
.
O Brasil com fome exibe orgulhoso,
Na noite de Natal, mesas plácidas
Da gastronomia privatizada, farta
Nas galerias do exótico em exibição
Nas mídias sociais da ostentação
Dos que podem saciar a fome
Da máxima do “eu posso”
e do “você” não
.
Mezanino de um ‘deus menino’
Dos hipermercados e resorts
Monarquias das ceias fotografadas
E exibidas photomaquiadas
Ultra-realistas da desigualdade
Outra galáxia, talheres de prata,
Taças de vinho do “eu tenho”
E do “você, não”
.
Famílias empanturradas,
Que não perdem a ternura
Engordurada
Métrica, média dos valores
Elementares
Da classe média
Patriarcal, matriarcal,
E do lado de fora da janela
O sorriso faminto e desdentado
Falimentar da pobreza social
Banguela:
“Eu tenho dentes”: “Você, não!”
.
Comportamento alienígena
De ostentação sem constrangimento
Amor, solidariedade, equidade:
Tudo solidário e humanitário,
Espelhos do fingimento.
Guardanapos sobre as coxas
Bocas que mastigam abertas
Maceram carnes de aves
Javalis, cordeiros,
Selfies feitas ao lado da carcaça
Do leitão assado com passas,
Perus ornamentados em bandejas
Com lagostas e camarões adornados
Mergulhados em ervas e mel,
E, ao fundo, o ‘papai Noel’
Ator contratado, embrulhado em cetim:
“Ele trabalha para mim.
Mas, para “você”, não.”
.
Maçãs, cerejas, morangos, kiwis,
Amoras, framboesas, ameixas
Um presépio barroco adornado
A ouro
É outro ‘coice’ fotografado, postado,
Curtido, compartilhado
Mas, a bem da verdade,
O fato
É que a criança
Não está na manjedoura
Mas num berço reproduzido
De uma rede de hospitais-maternidades
Parte das propriedades
De uma dessas famílias:
Eles nascem assim.
Você não.
.
A diferença entre o bem e o mal
É uma complexa equação
De soma e subtração,
A social democracia
Ao mesmo tempo é neoliberal
Apartheid camaleão
O que ontem foi oposição
Na fotografia dessas famílias
Em seus natais
As diferenças fazem
Composição.
Elas têm ‘moedas de troca’.
Mas ‘eles’, não.
.
As ‘bolas’ de queijos parmesão
E de cabra
Com especiarias do Afeganistão
São fatiadas por
Cortadores de queijo ostehøvel noruegueses,
Presuntos de avestruzes, rinocerontes,
Faisões escoceses,
Na falta dos extintos mastodontes
São postados em close
Tratados por filtros de lentes
Fotográficas
A ceia, a fome, a soma
Dessa sintaxe
Essa práxis do banquete estético
Anti-ético, ego-reflexo
É uma propriedade deles.
De vocês, não.
.
A ostentação do caviar
Com nozes, figos entre verdes folhas
Com aromas de Madagascar
Em vinagre balsâmico
Farofa de avelã e damasco
Salada de lichia, romã,
Verdes uvas...
Melancia cortada em zigue-zague
Ao lado de um boneco inflável
De Jesus com cartola, bengala
E fraque
Principalmente essa parte,
Essa perspectiva da promoção
Da auto-imagem...
É uma perspectiva somente deles.
De vocês, não.
.
Velas acesas sobre a mesa, bolas de natal
Importadas da Palestina,
Ramos,
Floras naturais, pinhas,
Cordão de luz, fitas douradas
E prateadas,
Em cada fisionomia a máscara
De quem assiste
Na arquibancada de um Maracanã
A uma Missa
Do Galo?
Não. É uma liturgia imprecisa.
Tudo ali parece maquete,
Castelo de areia,
Estátua feita em impressora 3D
Para parecer ser de verdade
Mas tudo é imagem de comunhão,
Caridade e compaixão.
Menos (invisível imagem),
Inseridos nessa miragem
Estão Jesus Cristo
e você
em cárcere de fome
reza e exclusão.
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