Poema/crônica em homenagem ao ator e comediante Paulo Gustavo

O DILEMA DA BOCA E DA ROCHA

Ricardo França

5.5.2021

— Qual é o ofício do riso?

Perguntava a ignorância da boca, à impavidez da rocha.

— Sou negacionista do riso, não mensuro

alegria, ou legendo gargalhada. Sou rocha,

minha boca é cicatrizada, sou pragmática

à sorrisoplastia. Sequer mestruo. Sou fria.

E se estou em seu caminho, boca,

de mim você desvia.

— Mas rocha, por que, você não sorri?

— Porque sou feita de dureza. É a minha natureza

não sorrir e não chorar, seja no namoro, casamento,

nascimento, da morte na pandemia

ou no luto da alegria.

— Mas isso é uma brutalidade!

— Brutalidade é a hipocrisia. É rir sem sorrir

de verdade. É chorar para fazer do choro uma live.

— Mas eu, na condição de boca, sorrio e choro

com a solidariedade dos olhos, essa é a minha escolha.

— Boca, o seu propósito nessa Planeta é diferente

do meu. Não sorrio para o bebê que nasce

e sequer para o ser humano que já morreu.

— Você deve ser uma pedra muito triste.

Como é viver sem ter sentimento

se não ter sentimento não se existe?

— Pedra é coisa pequena. Que gente pega e atira.

Eu sou rocha. Sou pesada e forte. E não há quem me

arremesse. Sou desse jeito. É o meu estado de direito.

Essa é a minha democracia.

— Mas rocha, e se você gostar de alguém? Por esse

alguém não sorriria, e sem esse alguém não choraria?

Sorrir com a alegria do 'outro', nesse 'trem'?

E rocha, se esse alguém, partisse

de repente daqui para o além?

— Sinto muito, sua boca tagarela. Não tenho olhos

para chorar e nem 'bocarente ' a fim de gargalhar

ou me ajoelhar em reza.

— Rocha, eu lhe aviso: escreverei um post sobre o riso,

e na mesma mensagem, o meu mais sincero luto.

Pois eu

GOSTAVA e eu GUSTAVO

e, igual a mim,

outras bocas

sorriram

sorriram

sorriram

sorriram

muito sim!

— Exerça então, boca, a sua infraestrutura bucofacial. Afinal, sorrir não faz mal. Os risos movimentam 12 músculos faciais. As gargalhadas, 24 músculos, e, quando as mecânicas bocais conversam e gargalham ao mesmo tempo, 84 músculos.exercitam a fisionomia, seja no choro, seja na alegria. Eu, rocha, sou adepta da economia. E se de mim observar alguma lágrima caindo... Não fica triste não. É da minha montanha, uma infiltração. Mas me explica, boca, aonde é essa alegria que agora dói?

— Dói no Brasil, dói em Niterói... Como saudade cristalizada. Tão dura é essa dor, tal qual você, dona Rocha. Mas a vida é um avião, o ventre da mãe que a gente nasce, com pressa. Nesse palco o riso e a dor são uma peça.

— Pois acredito, Senhora Boca. Viver é um emboscada. Mas também é linda como um sorriso. Essa é a cilada: a volta para 'casa', depois da última piada.

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>>> Jornalista, professor e poeta, Ricardo França de Gusmão, 54 anos, é detentor de vários prêmios literários. Conquistou três prêmios de reportagens sobre Direitos Humanos, dois internacionais, e um de dimensão nacional, na condição de repórter especial e professor orientador universitário. Trabalhou na imprensa escrita, TVs, assessorias de imprensa, internet e Academia. Publicou 27 livros de poesia, contos e crônicas.

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