A ‘DR’ ENTRE OS 53 E OS 54 E O ANIVERSARIANTE
- Admin
- 10 de mai. de 2022
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Ricardo França de Gusmão
10 de maio de 2022

— Então, Ricardo. Recapitulando. Tive que vir pessoalmente à nossa residência porque, você sabe, eu ainda não posso usar telefone... Enviar mensagens via internet...
— Não, amigo, xará. Não estou entendendo a sua vinda aqui. Nem o que você deseja. Apesar de você parecer um pouco comigo... Bom, mais velho, diga-se de passagem.
— Ricardo, você sabe que dia é amanhã?
— Como não saberia? É dia 11 de maio.
— E o que você comemora ou pelo menos deveria comemorar nesse dia?
— Xará, para mim é um dia um tanto quanto desagradável. É meu aniversário.
— Exato. Pois é aí que eu entro na nossa história. Precisamente às 15 horas.
— Como assim “nossa” história? De novo isso? Essa história é minha. E eu lamento pois...
— Sim ficará mais velho. Encerrará mais um ciclo da nossa vida e mesmo que seja o dia do nosso aniversário — vamos colocar logo os pingos nos ‘is’ — você não nascerá de novo. Eu, Ricardo, sou o seu 54 anos de vida.
— Amigo... E eu sou o 53. E daí?
— Daí, que você acabou de falar que se parece um pouco comigo, só que mais velho. Pois amanhã você nascerá com essas 15 rugas a mais no queixo e no papo, companheiro. E se tentar tirar com barbeador, você vai me deixar com o rosto sujo de sangue, uma provável inflamação e uma cicatriz. Portanto, 53... Desapega dele.
— Dele quem?
— Do Ricardo. Você já teve a sua oportunidade. Toca pra subir. Deu meia-noite, vaza logo!
— Mas você não irá eclodir do tempo carnal dele só a partir das 15h? Por que eu iria desabitar o meu tempo nele? Ouça. Já vou logo adiantando, esse cara é chato para caralho! Eu nem completei 12 meses e não aguento mais de tanto estresse. E você ainda quer tomar posse, subir a rampa, antes da hora?
— Cinquenta e três. Cada um no seu tempo. Tudo bem. Você não morrerá de véspera. Eu posso esperar até amanhã às 15 horas. Mas se ele tiver um ‘piripaque’ antes? Como é que eu fico? Eu também sou feito de ‘passagem’ igual a você... Da areia que escorre na ampulheta. Somos feitos de passagem, 53. A nossa gestão dura apenas 365 dias.
— Seguinte, 54. Eu tentei aplicar a mesma ‘sugestão’ no 52 e não deu certo. Vou ficar nesse corpo até o segundo final, tá entendido?
— Ô! Ô! Ô! Ô! Ô! O que está acontecendo aqui? Por acaso a minha massa muscular virou a casa da mãe Joana? — que Deus a tenha, coitada. Vocês dois de mim, sabiam que ela foi em meio a uma dessas? Vamos parar com essa discussão astrofísica Einsteiniana que quem está perdendo tempo sou eu, ok? Ouviu, Ricardo 53? Ouviu Ricardo 54?
— Tudo bem. Por mim está tudo certo então. Espero que tenha preparado o meu bolo. De chocolate. E com uma cereja. E por favor, Ricardo, velas verdes e sustentáveis. Venho com uma preocupação a mais na sua vida que esse tempinho recente, à beira do passado, não lhe acrescentou.
— Patrão, o senhor sabe que só irá adiante se eu o deixar apagar minhas velinhas, não é?
— Cinquenta e três, isso é uma ameaça?
— O papo é sério. Represento 53 anos da sua vida. E esse bebê ainda nem assumiu o cargo e já quer sentar à janela. Mas fica tranquilo. Deixarei apagar-me... Só não esqueça dos momentos bons e difíceis que passamos juntos, patrão. Não se esqueça de mim. Vou agora arrumar minhas malas. Contudo, não restou muita coisa.
— Ok, criatura desvairida. Ninguém fica para semente. Um dia eu também farei parte do passado. Assim como este corpo se transformará em pó... E, pelo jeito que andam as coisas no nosso fígado, rins e vesícula... Sistema vascular e nervoso... Sei não. Talvez o 55 nem chegue a bater à porta. E sequer termine o meu mandato.
— Ô criaturas da minha ilusão desvairada! Agora chega. Acabou com esse papo de 52, 53, 54, 55... Vocês parecem dois velhinhos brigando por uma bengala! Que conversa surreal!
— Se o senhor quiser que a gente pare a gente para agora, patrão!
— O que é isso 53? Quer me matar? Até tu, Justus? Se vocês pararem, ‘babau’ eu. Deixa o tempo correr. Aliás, 54... Retorne amanhã e será bem-vindo. Após o apagar das velinhas o 53 não estará mais em mim. Aí tu me entra no fio da meada. Vida que segue.
— Isso é ingratidão, patrão. Mas deixa o tempo passar...
— Cinquenta e três, descansa em paz. Cinquenta e quatro, aproveita que está aqui e inicia a transição temporal com o seu ancestral.
— Faremos isso, corpo nosso que estás aqui. Contudo antecipo o meu presente.
— Presente? Já? Bom, a essa altura está tudo entrecruzado mesmo... E o que é?
— Desembrulha.
— Vamos ver... Uma prótese peniana???
— Por enquanto... O marca-passo deve estas chegando em breve, no fraco corpo estressado da gente. Tá vendo, 53? Meu bebê?! Eu tenho pós-graduação em tempos de crise... Se ele passar dos 59... Entra novamente na fila. O último que sair... Apaga a luz da casa...
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