top of page
Buscar

JORNAIS DO MEU INCONSCIENTE

Foto do escritor: AdminAdmin

Em 29 de agosto de 1993 um grupo de 50 policiais militares entrou na favela de Vigário Geral, no Rio de Janeiro, para uma ação de extermínio. Assassinaram 21 pessoas. A foto dos moradores observando os corpos de seus vizinhos é do Centro de Pesquisa e Documentação do Jornal do Brasil.

Ricardo França de Gusmão

29.4.2018


Em algumas noites durmo

Ao lado de jornais policiais

Orgânicos

Daqueles que dão pânico

Em menores de 18 anos

E nos inocentes

Do mundo da Lua


Desço suas escadas

E abro a porta da encruzilhada

Na primeira página


Sinto um cheiro de morte

Vindo das páginas internas,

Da página 3

Onde estão as reportagens

Que escrevi


Revejo-me jovem repórter

Da madrugada

Que hoje me mastiga


E de repente

Palavras me absorvem


Estou dentro dos textos

E faço parte da fotografia

Na qual eu não havia


Não sei como apareci lá,

Agora estou numa favela,

Em suas vielas,

Em meio a criaturas

Com facas

E fuzis


Tenho que fugir dali

Mas o pesadelo fechou

O portal da primeira página


Tenho medo.

Muito medo dentro dessa

Reportagem bicho

Dos corpos chacinados

Cujos rostos ficaram-me

Daquele vento frio

Que percorreu

O cenário

Em meio aos meninos idos

Da Candelária


E os tantos mais de Vigário Geral

Nessas noites sou o que fui

Agora entre os fantasmas


Tento sair da comunidade

Procurar uma via expressa

Para ingressar num ônibus

Pegar um táxi

Fugir


Mas logo eles chegam

E perguntam de onde sou,

O meu nome,

O que faço ali

Me pedem dinheiro

Eu dou


Ma sou escoltado

Com pistola na cabeça

– foram três vezes lá nas gavetas

Do ontem –

Mas é real

São de carne, osso e vento

No organismo

Do papel jornal


Então eu corro

E eles correm

Me perseguem

Pulo muros de casas

Eles me perseguem

Avisto uma estrada

Vejo ônibus em trânsito

Corro até ele

E apareço em outra

Viela


Eles me alcançam

Por fim

E eu agora estou

Dando facadas

Com uma faca

Que surgiu

Em minhas mãos


Esfaqueio, esfaqueio, esfaqueio

Mas eles não morrem,

Não sangram.

Não estão vivos

São agouros

Tenho que seguir até

A última página,

Para alcançar o portal

Dos fundos

Tento negociar,

Eles zombam

Uma zombaria bêbada

Até que vem uma faca

Em minhas costas


Mas antes de morrer

Eu acordo


Estou no meu quarto

Cansado,

Acho que gritei

E chorei

Dentro das reportagens

Que escrevi









 
 
 

Comentários


bottom of page