
MARKETING
Ricardo França de Gusmão
(Poema extraído do livro impresso
'O Poema que Morreu, Eu e Outras Vítimas' (2013),
do mesmo autor)
.
A garota torta, num programa infantil,
veiculou pena, aumentando a audiência
e a repercussão.
Um pool de empresas
objetivando expansão
aliadas a um político doidão,
patrocinou um dia no parque
para a menina
que ganhou também uma camisa logotipada,
amplamente divulgada pela mídia.
.
E a garota propaganda
— bonitinha —
amargou desemprego,
pois a menina torta
— coitadinha —
dava mais dinheiro.
.
Apareceu então um garoto sem dedo
vendendo eletrodoméstico.
Uma firma rival apelou para um negrinho
sem braço.
Mas a inovação ocorreu num comercial
de sucos de laranja
onde o braço não tinha menino.
.
A nova imagem vendia
pena, calça jeans e minissaias
além de convencionar um novo padrão de estética.
O assunto era tratado sentimentalmente
mas se rendia ao dólar, não convinha ética.
.
Até que veio um programa
em que se utilizavam pessoas burras
para responder perguntas cretinas.
Era um modelo de marketing inovador
e neo moderno.
Apresentado por imbecis vestidos de terno.
Voltou-se ao padrão antigo.
.
A modelo bonitinha
reingressou no mercado de trabalho.
A menina torta, coitadinha,
entrou pela janela numa repartição pública.
.
O garoto sem dedo
(com a concorrência perdida
para a firma patrocinadora do garoto sem braço)
virou datilógrafo pois era uma questão de honra.
.
O garoto sem braço
acabou bicheiro
e foi presidente da Portela.
..
E o sucesso com a venda de milhões
de litros de suco de laranja
proporcionou ao braço sem menino
comprar um menino de platina quase de verdade.
E as pessoas continuaram assistindo TV
em horário nobre,
escravas de um teatro ensaiado
e grotesco,
porém, tão apáticas,
como se não fossem vítimas de nada,
qual marionetes do estapafúrdio.
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