O MAGO

1Ricardo França de Gusmão

14.5.22

Sim. Um dia pratiquei rituais.

Crendices e mediunidades.

Pratiquei levitação

Sem o meu corpo sair do chão.

Erguia meus braços para o céu,

Com as mãos abertas

Na esperança de que Deus

Que pensava morar por lá

Também estendesse Seus Braços

A espalmar Suas Mãos divinas

Nas palmas das mãos minhas.

.

Exercitei imaginação

A rabiscar os muros e paredes

Da casa de meus avós.

Inventava dialetos indecifráveis

E fazia alquimias ao misturar

Taças de vodcas com estrofes

De poesia

E para mim a sonoridade

Das rimas eram claves de sol

De magia

.

Gostava de armar arapucas

Para capturar pássaros

Para depois soltá-los

Como se me pertencesse

O exercício da liberdade

E tudo isso

Era ansiolítico

De puberdade

.

E frente ao aquário

Da sala lá de casa

Imaginava no lugar dos peixes

E visitava as conchas

Entre grutas de pedras

Submarinas.

O resumo das minhas submersões

Concluía que as pessoas do lado de fora

Do aquático

Eram seres apavorantes

Pois conseguiam sobreviver

E respirar fora da água.

Como assim?

.

Certa época tentei praticar

Adivinhação.

Para quem nunca exercitou

Enxergar os fatos

Antes de eles tornarem-se

Acontecimentos

Pode até pensar que é fácil.

Mas a adivinhação consiste

Em materializar pedras

Inexatas.

E as ideias das coisas

São categóricas inexatidões

De exuberância.

Ninguém, pois,

Imagina pequenas coisas.

.

Mas percebi que tinha o poder

Do hipnotismo

Ao olhar nos olhos

Da minha primeira namorada.

Essa se disse encantada

Aí eu dei uma piscada em curva

Em sua direção

E ela teve a certeza então

Que viu-me príncipe.

Logo eu, que havia sido sapo

A minha vida toda

Vesti-me da tolice dela

E logo fiz-me rei.

.

Hoje casado e com filhos

Teco contações de histórias

Minhas

E pinto quadro com eles

E desenho mitologias

Com eles

E brinco de mágico

Fazendo desaparecer coisas

Das minhas mãos

E eles acreditam

E além de acreditar têm certeza

De que sou, finalmente,

O mago da minha vida.